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Herdeiros de João Gilberto devem receber R$ 150 milhões de gravadora



Trazemos a íntegra do texto do acórdão em que a 14ª câmara de Direito Privado do TJ/RJ homologou valor de R$ 150 milhões em indenização que a gravadora EMI Records Brasil deverá pagar a herdeiros do cantor João Gilberto.


A C Ó R D Ã O PROCESSUAL CIVIL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. PROVA PERICIAL COMO BASE PARA QUANTIFICAÇÃO. INCONFORMIDADE. PRETENSÃO DO RECONHECIMENTO DA IMPRESTABILIDADE DO LAUDO E SUSPEIÇÃO DO PERITO.

Recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em processo de liquidação de sentença, rejeitou a exceção de suspeição do perito, fixando o valor condenatório nas conclusões do laudo. Conversão do julgamento em diligência, e realização de nova perícia. Trabalho técnico convincente. Indicativos claros e conclusivos da falta de serventia do que foi feito e aprovado pelo Juiz para a definição da quantia devida. Documentos insuficientes para enquadrar 50 anos da produção artística do músico João Gilberto, aqui e alhures. Necessidade de ajuntar dados do processo e informações coletadas. Discografia, inclusive quanto a lançamentos e relançamentos. Projeção de vendas a partir de elementos amealhados. Curva de evolução de venda do mercado fonográfico exibido pela EMI, dentre outros subsídios ditos e esclarecidos pelo perito. Fechamento da conta possível para decidir dentro de margens razoáveis, 2.809.885 discos vendidos de novembro de 1964 a outubro de 2014, no Brasil e exterior. Provimento parcial. . Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores que integram a Décima Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, pelas razões que seguem. A hipótese é de recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação indenizatória, já em fase de liquidação de sentença, rejeitou a exceção de suspeição arguida pelos agravantes em desfavor do perito do juízo, positivando o quantum debeatur com base no laudo. O acórdão de fls. 1.212/1.216, concluiu pela conversão do julgamento em diligência, a fim de que fosse realizada uma nova perícia. O laudo pericial veio às fls. 1.680/1.734, indicativo da existência de inconsistências no trabalho realizado pelo perito do juízo a quo. Impugnação da sociedade agravada às fls. 1.932/1.982, seguida da dos agravantes às fls. 2.469/2.490. Os esclarecimentos foram prestados pelo perito às fls. 2.545/2.583. É o relatório. O laudo pericial, suporte da decisão agravada, penso que só merece aprovação para validar o depósito feito pela EMI e nada mais. Explico. Laudo apoucado, insuficiente para liquidar a condenação, 50 anos de direitos conexos de autor, produção artística de João Gilberto, no Brasil e no exterior, 24% sobre as vendas de discos (18% de royalties e 6% de danos morais) desde novembro de 1964, quando, depois do desenlace contratual, a EMI continuou colocando-os no mercado, e por vezes relançando, em um total de 24 obras do músico, solo e em faixas. Anote-se, por importante, que o referido laudo, chegou ao término com um registro, que somado a outros dos autos, o conjunto revela um histórico do comportamento da EMI, claro no significar o propósito de só expor, mostrar os documentos que fossem do seu interesse, e em algum instante, nem isso, como ocorreu na primeira perícia do processo liquidatório, quando já definido e com trânsito em julgado, o todo a apurar. Na ocasião, o perito de então não teve acesso aos documentos contábeis e fiscais, o que fez com que ele se valesse de dados técnicos fixados ainda no processo de conhecimento, preços e volumes de vendas, para desenvolver o trabalho e dar meios ao juiz para arbitrar. Início bem conduzido, mas acabou não sendo feliz por inobservância do decaimento das vendas; trabalhou com números lineares. Ainda olhando para a primeira perícia, é digno de nota, que o acórdão desta Câmara, quando mandou fazer uma nova perícia, agravo de instrumento nº 00XXXXXXX.2016.8.19.0000, já prevendo que a EMI poderia se manter resistente na sua prática de não colaborar para tornar a sentença condenatória uma realidade de fato, determinou que a perícia fosse refeita com “cálculo probabilístico de decréscimo e análise combinatória, adotando-se como referência de pontos de partida os valores relacionados no laudo de fls. 672/686, números que passaram conformados, sem impugnação, vertente capaz de emprestar credibilidade”. Pois bem. Aí vem a segunda perícia, decisão aprovando o laudo e mais um agravo. E o que era para servir ao juiz de meios e dados conclusivos para arbitrar, não aconteceu. A determinação do acórdão mencionado, não foi cumprida. Documentos que não apareciam, vieram em quantidade. O perito teve a sua imparcialidade posta em berlinda. Um dos argumentos foi o de ter ele se utilizado do estabelecimento do assistente da EMI, equipamentos e tecnologias de lá para fazer o seu trabalho. Esses pormenores estão no acórdão às fls. 1.212/1.216, ato que converteu o julgamento do agravo em diligência para realização de nova perícia. Com a entrega do laudo, pareceres, impugnações e esclarecimentos, já é possível concluir. Não obstante as críticas intensas, na sua maioria dirigidas pela EMI, tem-se que o perito laborou nos limites de sua nomeação. Auditou o laudo anterior, e de maneira clara e precisa, concluiu pela sua inconsistência, demonstrando “que os documentos que serviram de base para a perícia do Sr. ---- não atendem os requisitos mínimos para sustentar os valores apurados pelo mesmo”, tudo alinhado às fls. 1.689/1.693. Na sequência, note-se que com os esclarecimentos, ficou ainda mais clarividente, e merece transcrição (2.548/2.549): ................................................................................................. Durante a perícia, todas as fontes disponibilizadas pela EMI foram analisadas, a saber: “1. LMV – Livro de Mercadorias Vendidas 2. RLD – Recibo de Liquidação de Direitos 3. Nota fiscal de vendas 4. No entanto, o único documento contábil apresentado foi a nota fiscal. Dentre os documentos disponibilizados pela EMI, encontram-se as informações gerenciais, que não são considerados documentos hábeis, que apresentaram constantemente divergências entre si, conforme constatado inúmeras vezes pela perícia. Desta forma, os documentos gerenciais não resguardam confiabilidade nas informações, não apresentam formalidades de controle, não apresentam data de sua vendagem, inclusive constam diferentes números de CPF para o nome do artista/autor e não possuem uma ordem cronológica e numérica para as folhas destes documentos. Portanto, os únicos documentos contábeis válidos são as notas fiscais revestidas pelos lançamentos no livro diário. Vale lembrar, ainda, que conforme exposto no Laudo, foram solicitadas aleatoriamente as notas fiscais emitidas em três meses, a saber: novembro de 1985, março de 1989 e janeiro de 1993. Com a apresentação das mesmas constatamos que do total de 19.169 notas fiscais, somente foram disponibilizadas 12.826, ou seja, uma ausência de 33% das notas fiscais. Deste modo, não existem condições técnicas/contábeis que permitam considerar como válidos os números encontrados nestas 12.826 notas, pois não existe sustentação da diferença com os livros diários. Importante frisar, que para o mês de novembro de 1985, quase a metade das notas fiscais não foi apresentada à perícia, bem como também não foi apresentado o livro diário desse período, impossibilitando mais uma vez qualquer validação contábil no mês de maior volume de notas fiscais, no universo dos 3 meses solicitados. No decorrer dos trabalhos periciais realizados identificamos um outro fato muito relevante, algumas notas fiscais disponibilizadas ao Perito ---- não foram disponibilizadas nesta perícia. Logo, como exposto acima, os documentos não foram ignorados. Foram analisados e tidos como imprestáveis, conforme explicitado no Laudo Pericial. Assim sendo, podemos afirmar que os documentos que serviram de base para perícia do Sr. ----, não atendem os requisitos mínimos para sustentar os valores apurados pelo mesmo. Devido à falta de documentação de suporte contábil para as vendas do Autor não foi possível confirmar os números apresentados pela Agravada. Sendo impossível constatar o total de vendas do Autor com base no acervo apresentado pela EMI. ................................................................................................. À guisa de reflexão, há uma medida que se extrai do laudo do perito Sr. --- -, que induz querer entender o porquê somente 443 mil discos vendidos em 50 anos, lançamentos, relançamentos, 24 obras, faixas, solos, protagonismo, mercado brasileiro e estrangeiro, João Gilberto, considerado o pai, ícone da Bossa Nova, enfim, curiosidade da pendenga, de 26 anos completos ou próximos disso. Aliás, idade de processo judicial que transforma o juro de mora numa conta bem superior ao valor do principal atualizado. Vale a pena constatar, solamente isso. O terceiro laudo auditou e desqualificou o segundo, num trabalho analítico, possível e convincente. Além disso, conforme autorizado pelos acórdãos pretéritos, colheu do que consta dos registros processuais, dados incontroversos, e inseriu outros com as informações advindas de uma pesquisa discográfica; nada de processualmente anormal. As informações foram obtidas e postas no laudo, de forma minudente, descrição detalhada, levantamentos dos álbuns, discos originais de carreira, discos de compilações, coletâneas, relançamentos, enfim, tudo demonstrado sem evasivas e com indicação de como foram utilizadas, e, feitos os decaimentos, inclusive adotando a curva de evolução de venda do mercado fonográfico brasileiro apresentado pela EMI. O perito foi absolutamente descomplicado quando discorreu sobre o que chamou base da abordagem, álbuns considerados, com percentuais de cada um dos fonogramas, por faixas interpretadas por João Gilberto. Explicou ainda e através dos demonstrativos que do laudo constam, a progressão dos lançamentos e relançamentos, com decréscimos combinados por número de anos. Os dados não parecem meramente aleatórios, mas representantes de um todo com resultados possíveis. Há que ser considerado, outrossim, que o perito não se furtou de responder as impugnações, uma a uma, sem torcedura, argumentos vagos, ao contrário, manteve-se coerente, esclarecimentos prestados que só somaram para consolidar a lógica da peritagem. Chegando próximo ao final, veja-se que, por determinação do relator, o laudo foi retificado no que tange ao termo da apuração, a teor de fl. 2.693, ou seja: novembro de 1964 a outubro de 2014, quantidade de discos no mercado nacional (1.720.371), internacional (1.089.514), dando um total de 2.809.885. Complemente-se, ainda, que nada de equivocado, erro de técnica, replicar o resultado dos títulos que passaram incólumes, ainda no processo de conhecimento, pois conjuntos de valores legítimos, por incontroversos. O perito responde a crítica, e o faz muito bem quando diz (fl. 2.552): ................................................................................................. Esses dois álbuns serviram de base para o cálculo do número de unidades vendidas. A partir deles, e levando em consideração o número de álbuns lançados e relançados de João Gilberto pela EMI, a curva do mercado fonográfico (dados fornecidos pela própria Agravada), e a curva natural de venda de discos, chegamos ao valor total de unidades vendidas com o selo EMI/ODEON de 1964 até a entrega do Laudo. ................................................................................................. Elementos relevantes no contexto probabilístico de dados. Por inevitável, diante do apego da EMI com o álbum João, e a sem prova da afirmação sobre obras que foram contadas em período de não comercialização, importante alinhar o que disse o perito em seus esclarecimentos de fls. 2.554/2.555: ................................................................................................. O álbum João não foi contabilizado na apuração do volume de vendas de João Gilberto, sendo utilizado apenas para estabelecer a média aritmética entre os dados de vendas apurados no Laudo do ----, que não foram contestados pelas partes. Inclusive, a própria EMI reconheceu, em fls. 808/809 do processo principal, que era como se os admiradores do intérprete João Gilberto fossem os mesmos para diferentes álbuns visto que a média anual dos números de venda dos álbuns “João” e “O Mito” eram similares. Veja se o trecho: “Ora, se o laudo à pág. 18 informa ter a ré comercializado 90.535 unidades do CD por ela fabricado de 1992 a 1996, o volume de venda dos dois CD’ s o da POLYGRAM e o da ré EMI, se equivalem pois, se acrescentarmos a média indicada pelo perito de 15.252 unidades por ano, 90.535 mais 15.252, alcançam quase 106.000 unidades, como se os admiradores do intérprete João Gilberto fossem os mesmos na compra dos dois discos.” Ainda em relação a obra “João”, alega que o perito: (...) “se valeu dos dados dos anos de 1991 até 1995. No ano seguinte ao corte realizado pelo Perito Tostes (1996), a quantidade de vendas de unidades sofreu uma queda aproximadamente 50%. O Perito Tostes, porém, optou por desconsiderar esse dado da sua análise.” Como já explicado, foi utilizada a média de vendas dos álbuns “O Mito” e “João”. Como os dados de venda do álbum “O Mito” se limitam a 4 anos, (dez 92 a dez 96) utilizamos a média pelo mesmo período de vendas do João. (...) Não há evidências que o álbum “João Gilberto” tenha tido sua venda interrompida no 3º trimestre de 1981 e tampouco sua retirada definitiva de comercialização no 3º trimestre de 1991. Cumpre ressaltar, que conforme fls. 32 do Laudo Pericial, este álbum foi relançado entre o final da década de 80 e o início da década de 90. (...) Os três discos principais de João Gilberto possuem inúmeros lançamentos internacionais que não foram computados um a um. Quanto às coletâneas, nem sempre há registro individual de comércio internacional, tendo sido utilizado novamente os rótulos originais e as estimativas de venda do “Mito”. ................................................................................................. Em suma, o laudo se encontra a merecer aprovação. No quantitativo finalizou com o valor principal atualizado, juros de mora, e do total as deduções do primeiro e segundo depósitos, também corrigidos, e calculado os juros. À conta do acima, dá-se parcial provimento ao recurso para afastar o laudo elaborado em primeira instância, homologando-se o levado a efeito perante esta Câmara. Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2023. Desembargador ADOLPHO ANDRADE MELLO Relator



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