Replicamos aqui o excelente texto de Pablo Stolze Gagliano e Fernanda Carvalho Leão Barretto
publicado no site Migalhas .
1 INTRODUÇÃO
Em matéria recente, publicada no site do IBDFAM1, buscou-se compreender, para além dos possíveis efeitos jurídicos da exposição pública de traições, o porquê de o ranking do mais popular aplicativo de música do momento estar exibindo, em suas primeiras posições, canções cuja matéria-prima principal são episódios de infidelidade conjugal/amorosa, e os impactos dessa infidelidade.
Não é de hoje que a temática da traição afetiva movimenta o debate público, o direito e outras searas do saber e da expressão humanas, como a psicologia e a arte.
De livros clássicos, como Anna Karenina (Leon Tolstoi), Madame Bovary (Gustave Flaubert) e Dom Casmurro (Machado de Assis), à canção Bzrp Music Sessions 53 - na qual a cantora Shakira desabafa sobre a notória relação simultânea que seu ex-marido Gerard Piquet manteve, e que levou ao término do seu casamento -, o universo da arte e do entretenimento sempre foram prodigiosos em exemplos de obras que explicitam o quanto a quebra da fidelidade é tema central no interesse humano, que desafia a psique e as relações afetivas.
Merece destaque especial, nesse cenário, Dom Casmurro, obra que levou o penalista Aloysio de Carvalho Filho a proferir conferência histórica na Academia de Letras da Bahia, em 1958, intitulada "O Processo Penal de Capitu", oportunidade em que se debruçou sobre a suposta infidelidade da esposa de Bentinho, à luz da doutrina penal da época.
As razões da já mencionada centralidade do interesse pela temática transbordam os limites desse texto, mas vale lembrar a valiosa e hoje clássica lição de Rodrigo da Cunha Pereira: vem da psicanálise a compreensão da pessoa humana como um sujeito desejante, o que influencia sobremaneira o direito e o poder judiciário. Nessa linha, tudo que transpassa o desejo, em seu sentido mais amplo, interessa ao humano e termina por impactar o direito.
Ainda que, como já dito, o tema esteja nas berlindas há muito, a contemporaneidade tem trazido novos influxos e possibilidades de análise na perspectiva dos "deveres conjugais e sua quebra".
Um ótimo exemplo pode ser extraído da própria canção já mencionada, na qual a estrela colombiana provoca: "você achou que me machucou e eu fiquei mais forte/as mulheres não choram mais, as mulheres faturam".
Por mais que essa frase possa soar simplista, feita para causar barulho em um pop hit, e que saibamos ser impossível generalizar as consequências da infidelidade conjugal - peculiares a cada sujeito e recortadas por marcadores de gênero, raça, idade e classe, dentre outros-, é nítido que ela revela uma narrativa menos comum e mais atual sobre as traições: nela, a mulher não é colocada no lugar de pecadora, de imoral, de dissimulada ou de vazia, como em algumas das obras literárias citadas, nem no de simples vítima abandonada e indignada.
O eu poético da canção de Shakira sofre, mas não se deixa diminuir pela traição, e a sua forma de reagir é monetizando a própria dor, ao transformá-la em sucesso nas paradas.
O tema central deste artigo, a multa por infidelidade, se situa, fundamentalmente, no vértice de dois ramos do Direito Civil: o Direito das Obrigações e o Direito das Famílias, com reflexos na Responsabilidade Civil.
Mas é essencial perceber que, hoje, ele não pode ser analisado apenas com base nos postulados tradicionais da civilística pátria.
Pensar sobre a possibilidade jurídica de pactuação dessa multa exige abertura, implica refletir sobre a dinâmica das relações contemporâneas e sobre os próprios contornos do Direito das Famílias da pós-modernidade.
Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.
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