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O setor do Entretenimento e as transformações da Inteligência Artificial

Replicamos o excelente texto do escritório português Antas da Cunha Ecija, que trata das questões importantes da utilização dos recursos da Inteligência Artificial no setor do Entretenimento.


A Inteligência Artificial (IA) tem-se afirmado como uma tecnologia revolucionária, estando cada vez mais presente nas mais diversas áreas da sociedade. Desde a assistência virtual (uma das suas facetas com maior utilização a nível mundial), passando pela automação de processos e tarefas, das mais simples às mais complexas, a versatilidade da IA tem sido uma das características mais excitantes na revolução tecnológica do século XXI.


As ferramentas de IA recorrem a algoritmos e planos matemáticos para processar grandes quantidades de dados disponíveis ou inseridos via programação, para, através deles, aprender e treinar a execução de tarefas e a tomada de decisões de forma autónoma. Na gíria tecnológica, esta capacidade de aprendizagem é chamada de machine learning e tem sido assinalada como um dos maiores avanços da dimensão computacional, uma vez que, devido à disponibilização e fácil acesso a grandes quantidades de dados, a IA tem sido capaz de obter resultados notáveis nas mais variadas áreas. O setor do Entretenimento não é exceção.


O setor do Entretenimento tem sofrido inúmeras transformações graças aos rápidos progressos tecnológicos no modo como se concebe, produz e utilizam as suas diferentes fontes: música, filmes, videojogos ou programas televisivos. Com o crescimento do Entretenimento Digital, os próprios eventos ao vivo começaram a implementar experiências imersivas, como espetáculos de realidade virtual ou festivais de música em formato híbrido. Os videojogos foram também eles revolucionados por força do recurso à realidade virtual e aumentada, em jogos como o Pokemon Go, onde os jogadores podem vivenciar a sobreposição de elementos virtuais no mundo real.


Inicialmente, a utilização da IA prendia-se com a personalização de conteúdo para os diversos utilizadores que diariamente acediam a materiais audiovisuais e videojogos. Através da identificação de padrões comportamentais, plataformas digitais como a Netflix, Amazon, HBO, Spotify e Youtube, contruíam aquilo a que chamamos “preferências do utilizador”, sendo capazes de sugerir e indicar conteúdos que se alinhavam com os seus interesses. Contudo, à medida que foram sendo desenvolvidas novas funcionalidades, tornou-se possível a criação, de raiz, de guiões cinematográficos, personagens virtuais, músicas, filmes, videojogos, entre muitos outros tipos de conteúdo, começando a surgir as mais desafiantes querelas jurídicas do século.

  1. Proteção de dados e privacidade

Para que seja possível à IA operar, é necessária a disponibilização de grandes volumes de dados, razão pela qual este consiste num dos temas mais importantes de qualquer análise jurídica de IA. A personalização de conteúdos é uma das funcionalidades mais exploradas no setor do Entretenimento, sendo importante que a recolha, tratamento e armazenamento dos dados dos utilizadores seja feita com respeito pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) e pela demais legislação nacional.


Aos utilizadores deve ser fornecida informação acerca dos dados que serão recolhidos e da forma como estes poderão ser tratados, estando estes na liberdade de consentir ou não – com respeito pela transparência, segurança e anonimidade. Também a recolha de dados deve cingir-se ao mínimo necessário para as finalidades específicas, procurando os diversos operadores relegar-se aos dados essenciais e mais relevantes.


Existindo dados sensíveis e informações pessoais disponíveis online, como dados de menores ou de serviços classificados, a IA deve ser programada de modo a respeitar determinados limites, por forma a ser conforme ao panorama jurídico em que opera.

  1. Direitos de autor e Direitos conexos

Os Direitos de autor protegem a criação original de obras literárias, artísticas e científicas, como músicas, filmes, livros, entre outros. Ora, com a implementação de ferramentas munidas de IA no setor de Entretenimento, começou a questionar-se, por exemplo, quem seria o detentor dos direitos sobre obras originais criadas por IA, quer sejam guiões, músicas ou até mesmo obras de arte. Devem estes direitos ser reconhecidos ao programador que desenvolveu o algoritmo em questão ou à própria IA? Esta é a pergunta que mais tem dividido a doutrina e jurisprudência um pouco por todo o mundo.


Atentemos no exemplo de Kris Kashtanova, uma artista que criou uma banda desenhada completa, com 18 páginas, através duma aplicação baseada em IA que embora tenha recebido os devidos direitos de autor em setembro de 2022, viu estes serem–lhe retirados pelo Gabinete de Direitos de Autor dos Estados Unidos da América em fevereiro deste ano, tornando-se Kashtanova a primeira pessoa no país a perder a proteção legal para a arte de IA.

Dependendo do país, existem já alguns entendimentos doutrinais de acordo com os quais se pode atribuir titularidade de direitos autorais à IA, mediante o seu reconhecimento de capacidade legal, caso contrário estas criações originais acabam por ser atribuídas a quem desenvolveu e possui a IA.


No caso dos videojogos a discussão também tem vindo a contribuir para o desenvolvimento de algumas considerações gerais sobre os limites da IA. Envolvendo, muitas das vezes, a criação de conteúdo selecionado ou até mesmo dedicado a determinadas faixas etárias – na sua grande maioria menores de idade – questiona-se como poderá a IA garantir que a experiência destes é conforme ao seu autodesenvolvimento enquanto pessoas e não cria viés ou influências indesejadas aos seus utilizadores.

  1. Responsabilidade Civil e Penal

A nível da responsabilidade civil, esta pode basear-se em danos causados por algoritmos de IA ou até mesmo em erros de programação geradores de consequências desconformes com o ordenamento jurídico nacional. Se, pela recomendação e personalização de preferências, um algoritmo endereçar sugestões de conteúdos inadequados para determinados utilizadores, os quais possam resultar em danos, regressa a questão de saber se a responsabilidade deve ser atribuída à própria IA, ao programador do algoritmo ou até mesmo aos seus utilizadores.


Já quanto à responsabilidade penal, que pode consistir em uso indevido da IA (p.e. para fins criminosos) ou em violação de normas relativas à proteção de dados e privacidade, tem sido uniforme o entendimento de que a responsabilidade recai sobre os seus infratores e respetivos responsáveis legais. Se uma empresa ou um determinado indivíduo não respeitar os processos de recolha e tratamento de dados, os quais até podem revestir natureza pessoal e sensível, a IA não deve ser usada como pretexto para o imiscuir de responsabilidade por condutas indevidas.

Um exemplo claro do uso abusivo de direitos de imagem são os deepfakes, uma técnica de síntese de imagens ou sons humanos baseados em ferramentas de IA, que tem como propósito enganar os seus destinatários, ao colocar, em vídeo, pessoas a exprimirem palavras que nunca disseram, ou até mesmo substituir caras, criando, assim, situações sem correspondência com a realidade.


Nos Estados Unidos da América, um escritório de advocacia, sediado na Califórnia, avançou com uma ação coletiva contra a OpenAI, criadora do chatbot ChatGPT, alegando violação da privacidade e direitos de autor de milhares de cidadãos.

  1. Propriedade intelectual e direitos de imagem

Por último, mas não menos importante, a propriedade intelectual e os direitos de imagem são outro dos vértices dignos de investigação jurídica. A garantia da inovação e dos direitos dos criadores, artistas e inventores tem vindo a ser concedida, através de licenças e patentes.


Pelo processamento de dados, a IA pode deparar-se com informações e obras ou até mesmo imagens protegidas, sendo importante desenhar-se o quadro legal dentro do qual este tipo de ferramentas pode operar. Tem-se considerado que as barreiras impostas pela legislação relativa à proteção de dados e privacidade é suficiente. Não obstante, há vozes de discordância dadas as capacidades transcendentes da IA. Se pensarmos no caso académico do uso de vozes de artistas conhecidos e imagens de celebridades sem que exista o consentimento dos titulares para tal, vemos que é uma tarefa hercúlea atribuir responsabilidades pela violação destes direitos aos seus criadores/programadores, sendo, portanto, importante a consagração de normas jurídicas claras e abrangentes.


Por outro lado, cabe ainda à regulação do setor desenvolver o quadro legal e trâmites dentro dos quais se proporcione uma utilização responsável e ética da IA, privilegiando a inovação sem descurar as necessárias preocupações sociais de garantia dos direitos individuais dos trabalhadores e dos cidadãos em geral.


Da exposição acima, percebe-se a extrema utilidade e capacidade de otimização deste tipo de ferramentas baseadas em IA, algo que até já levou entidades de referência no setor do Entretenimento a clamar pela sua implementação de forma a tornar mais céleres processos morosos e repetitivos e a diversificar as fontes de criatividade conhecidas. Ainda assim, para evitarmos negligenciar aqueles que até então contribuíram para que a originalidade existisse e mantermos a inovação em andamento, é importante que se estabeleçam equilíbrios jurídicos e sociais.


Sendo certa a permanência da IA no quotidiano do setor do Entretenimento, cabe–nos compreender os desafios jurídicos que a sua utilização levanta e saber como os resolver aos olhos do contexto legal português e internacional.

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